O quadrilheiro

A Gazeta do Sul e o Portal Gaz recontam a história do candelariense, que foi considerado o foragido número 1 do Estado, e liderou uma geração de assaltantes no ataque a bancos, carros-fortes e praças de pedágio, no início dos anos 2000.

Reportagem: Letícia Mendes e Ricardo Düren
Edição digital: Luana Rodrigues
Edição de vídeos: Paola Severo
Imagens: Bruno Pedry, Rodrigo Assmann e Banco de Imagens
Arte: Paulo Meinhardt
Revisão: Luis Fernando Ferreira

O bando de José Carlos dos Santos, o Seco, é lembrado pelas ações cinematográficas, pirotécnicas e violentas. Ele não hesitava em fuzilar quem atravessasse seu caminho. Encarcerado há uma década na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), o criminoso já possui 170 anos de condenações pela sequência de roubos.

Ao longo da série, são relembrados os principais ataques realizados pelos criminosos na região e no Estado, que desafiaram a polícia. Para isso, foram ouvidas as pessoas que presenciaram esses momentos ou que tiveram suas vidas afetadas por isso. Entre eles o assalto à sede da transportadora de valores Proforte, em Santa Cruz do Sul, na noite de 10 de abril de 2006, que culminaria na prisão de Seco três dias depois, em um posto de combustíveis de Paverama. Nessa data, um enfrentamento resultou na morte do capitão da Brigada Militar, André Sebastião Santos dos Santos, 34 anos, atingido por um tiro de fuzil na cabeça.

Além de mostrar o rastro de destruição deixado pelo bando, as reportagens contam como a polícia precisou se organizar e se reestruturar para desmantelar a quadrilha que trouxe horror ao Estado por cerca de quatro anos. Os bastidores das investigações que resultaram na captura do homem que afirmava que nunca seria preso e carregava consigo uma granada. “O quadrilheiro” resume a trajetória do assaltante, que chegou a ser conhecido inicialmente como Zé das Retro, assim como daqueles que influenciaram e se aliaram a José Carlos nesses ataques criminosos.

As rajadas vinham seguidas de centenas de fagulhas, que se espalharam sobre o asfalto como um show pirotécnico alucinado. O alvo era a viatura, mas a força gerada pela sequência de disparos forçava os canos dos fuzis para baixo e os últimos projéteis atingiam o pavimento, ocasionando as faíscas. Pelo para-brisa, os PMs podiam distinguir o caminho percorrido pelas balas traçantes, que atravessavam o escuro da noite brilhando, em sua direção.

Era difícil aos PMs saber exatamente o que estavam enfrentando, em meio ao pipocar dos disparos. Por trás da chuva de tiros, podiam ser vistos homens encapuzados, ao redor do que parecia ser um caminhão, na frente da transportadora de valores Proforte. Não havia sequer tempo para supor que aquele era a quadrilha mais perigosa do Estado em ação. Mas era.

Sob o comando de José Carlos dos Santos, o Seco, o bando promovia um dos assaltos mais ousados da crônica policial gaúcha.

Para acessar o interior da transportadora de valores, a quadrilha arremessou um caminhão-guincho contra o prédio, abrindo um buraco na parede. Porém, quando a primeira viatura chegou ao local, nenhum dos tripulantes tinha ideia da gravidade do que estava acontecendo.

Ao ver o Bora branco abandonado no meio do cruzamento, com fumaça saindo do motor, os policiais pensaram que o automóvel estivesse envolvido em um acidente de trânsito. O motorista era o sargento Alexandre Paim. Ao lado de Alexandre seguia o capitão André Sebastião Santos dos Santos, 34 anos. No banco de trás a soldado Gheísa Marques, de 23 anos e um PM temporário.

Seguindo o protocolo, o motorista ligou o giroflex. Em seguida, deu a volta por trás do Bora, colocando o bico da viatura já na Júlio de Castilhos, na direção no cruzamento onde a rua desemboca na BR-471. Foi uma decisão infeliz. A 150 metros, os encapuzados viraram os canos dos fuzis na direção daquela viatura, que apareceu do nada com as luzes de emergência ligadas. E começaram a atirar.

Seguindo os instintos, Alexandre engatou marcha-a-ré. Mas, na hora de soltar a embreagem, percebeu que o capitão Sebastião já havia sacado a pistola e abria a porta da viatura. Tentou segurar o colega pela perna esquerda. “Entra capitão, entra. Precisamos sair daqui”. Mas o capitão saiu e se agachou atrás da porta. Sebastião deu um primeiro tiro, pela janela aberta, e se abaixou quando veio uma nova rajada. Se levantou, deu um novo tiro e uma nova saraivada de balas veio na direção da viatura. Sebastião caiu.

Muita coisa ainda aconteceria nos instantes seguintes: Alexandre descarregaria duas vezes o tambor de seu revólver na direção da quadrilha. Gheísa, abaixada sobre o PM temporário, seria gravemente ferida por um tiro de fuzil, que atravessaria a viatura de um lado ao outro, passando entre o colete e as costas da policial. Sem munição, Alexandre rastejaria na direção de Sebastião, para apanhar sua pistola. O bando, porém, fugiu um seguida, a bordo de um Corolla, levando quase R$ 4 milhões em malotes recolhidos do interior da Proforte.

Só então Alexandre pode confirmar suas piores suspeitas: o capitão Sebastião estava morto.

Capa da Gazeta do Sul de 11 de abril de 2006

A Brigada Militar de Santa Cruz do Sul realiza nessa quarta-feira, dia 13 de abril, uma homenagem ao capitão André Sebastião Santos dos Santos. O policial foi morto em 10 de abril de 2006, durante um confronto com o bando de José Carlos dos Santos, o Seco, em Santa Cruz do Sul. Os criminosos atacaram naquela noite a sede da transportadora de valores. Natural de Passo Fundo, na época Sebastião estava na BM de Santa Cruz há cerca de um ano. Ele residia em Santa Maria, com a mulher e o filho.

A homenagem será realizada com uma missa na Catedral São João Batista, que tem início previsto para as 18h15. Todos os colegas e amigos do policial estão convidados a participar da cerimônia. Além do filho Guilherme, que tinha 1 ano e 3 meses quando pai foi assassinado em serviço, Sebastião deixou outras quatro filhas, de dois relacionamentos anteriores. Conforme a BM, a cerimônia é uma forma de lembrar a dedicação do policial e os serviços que prestou a comunidade.

Quando sentiram o impacto da batida contra o carro-forte, o primeiro pensamento que veio à cabeça dos quatro vigilantes era de que tinham se envolvido em um acidente. A equipe retornava de Lajeado para Santa Cruz do Sul e teve a viagem interrompida na RSC-287. Em Linha Hansel, o cavalo de um caminhão Scania invadiu a pista contrária e bateu de frente com o blindado.

Os sons que viriam a seguir e a visão de homens armados com fuzis faria com que eles entendessem que se tratava de um assalto. Era o primeiro ataque na região de um bando que nos anos seguintes espalharia o medo entre os transportadores de valores. Mesmo atordoados pela batida, que fez o carro ficar com as rodas viradas para cima, os seguranças reagiram. Os quatro foram alvejados. Um deles, Ricardo Luís Selbach, de 28 anos, tombou morto ali mesmo, dentro do blindado.

O caminhão usado no assalto havia sido roubado quatro dias antes, em São Leopoldo. Do meio das ferragens, o homem que dirigia o caminhão saiu caminhando tranquilamente. Tempos depois, a polícia descobriria que a técnica usada por José Carlos dos Santos, o Seco, consistia em enrolar cobertores no cinto de segurança, para reduzir o impacto e se jogar num ataque quase suicida. “A audácia desses criminosos parece não ter limites”, comentou um dos inspetores na época.

Quando os criminosos atacaram o blindado em Venâncio Aires, era terceira vez no Estado que assaltantes usavam um caminhão para parar um carro-forte em movimento. A prática teria nascido em 6 de setembro de 2002, na BR-116, em Caxias do Sul. Um Volvo foi jogado contra o blindado e dois seguranças ficaram feridos. O líder deste ataque foi Charles Robsen Ferreira Kaiser, o João Loucura. O apelido foi dado pelas ações ousadas.

Nos ataques a agências bancárias, costumava chegar e sair do local atirando para todos os lados. Embora Seco nunca tenha confirmado, para a polícia o início dele no mundo do crime está ligado a este personagem pouco comum. Seco teria sido contratado para ser o motorista do bando, no período em que se mudou para a Serra para trabalhar com retroescavadeira. Quando houve o primeiro assalto a blindado no Estado, o candelariense tinha apenas 22 anos.

Aos 18, comprou uma retroescavadeira e tentou montar uma empresa em Santa Cruz. Na cidade, se casou e teve um filho. Em setembro de 2002, um homem foi executado por um traficante a tiros na sua casa, no antigo Bairro Cristal. Como a família havia sido ameaçado, os abrigou no Bairro Aliança. Nesse período, já estaria vivendo na Serra.

Seco é descrito pelos que o investigaram como um homem frio e de raciocínio rápido. Já João Loucura era marcado pelas declarações confusas.

Preso em junho de 2003, confidenciou à polícia que seu sonho era acoplar uma metralhadora .50 em uma caminhoneta para poder parar um carro-forte, atirando direto no motor. Disse ainda que pretendia invadir o Aeroporto Salgado Filho e roubar o carregamento de dinheiro do Banco Central.

Em um dos ataques, em dezembro de 2002, em Nova Roma do Sul, depois de assaltar o banco, João Loucura passou em frente à delegacia. Quando se deu conta disso, fez a volta e metralhou o prédio. Só então seguiu a fuga. Só que a história do rapaz natural de Porto Xavier seria encerrada em pouco tempo. À polícia teria dito que não ficaria preso. Acreditava que se suicidando reencarnaria mais rápido do que o tempo que precisava ficar encarcerado. Levado à prisão, foi encontrado enforcado pouco tempo depois.

Isso teria levado Seco a liderança do bando. O conhecimento no uso de explosivos deu ao candelariense tudo que precisava para comandar uma série de assaltos.

Entre 2002 e 2006, o pavor tomou conta de quem vivia na mira desses bandidos. “Depois da morte do João Loucura ele assumiu o protagonismo dessas ações espetaculares. E foi na mesma vibe da loucura. E patrocinou todo esse festival de horrores nesses praticamente quatro anos”, recorda o delegado Luciano Menezes, que acompanhou toda a trajetória do quadrilheiro.

Um dia após o ataque ao primeiro blindado na região, em abril de 2003, os dois carros usados no assalto, um Vectra verde e um Astra branco, foram encontrados. O primeiro tinha sido abandonado em uma estrada vicinal de Vera Cruz, mas foi a localização do segundo que serviria de pista para a polícia dois meses depois. O carro tinha sido deixado em Santa Cruz do Sul, no Bairro Belvedere. A polícia não entendia porque o veículo tinha sido deixado ali.

Em 25 de junho, chegou à Polícia Civil e a Brigada Militar uma informação de que um dos assaltantes que havia atacado um carro-forte em Mariana Pimentel estaria abrigado em uma casa no Belvedere. Naquela época, lembra o delegado Luciano Menezes, ele tinha ouvido de um colaborador que um armeiro do mesmo bairro estaria fazendo a manutenção das armas do bando de alguém chamado Seco. “Até então a gente não sabia quem era o Seco”.

Na falta de outra pista, o delegado resolveu arriscar e ir até a tal casa. “Não delegado, é bobagem, é mentira, pode olhar aí”, respondeu o homem que estava no pátio da residência. Menezes permaneceu conversando com ele na cozinha, enquanto o inspetor Paulo Machado sumiu pra dentro da casa. Enquanto aguardava impaciente para ir embora, o delegado se surpreendeu quando viu o colega retornar. Ele trazia um homem pelo braço.

Era Flávio de Oliveira, de 26 anos, baleado com um tiro no peito, que estava escondido em uma peça da residência. Após o ataque em Mariana Pimentel a quadrilha fugiu para a região. “O Seco me largou aqui nessa casa”, contou à polícia. Antes de deixá-lo ali, no entanto, a bordo de um táxi, foram até um sítio, no interior de Santa Cruz, onde enterraram parte dos armamentos da quadrilha. Nesta propriedade foi encontrado um cano recheado com cinco fuzis, uma metralhadora, muitas munições e explosivos.

Era a maior apreensão de armas já feita no Estado e a primeira derrota do bando de Seco.


Um filme norte-americano de 1995 teria servido de inspiração para o bando liderado por Charles Robsen Ferreira Kaiser, o João Loucura. Em setembro de 2002, o grupo realizou o primeiro ataque a carro-forte com uso de um caminhão para pará-lo, na BR-116. Seco teria aprendido com João Loucura esta técnica e se tornaria o protagonista dessas ações após a morte do comparsa. Na ficção é Robert de Niro quem lidera de uma quadrilha de assaltantes, em Los Angeles, e Al Pacino o investigador que tenta frear essas ações. No longa os bandidos usam justamente a técnica de arremessar um caminhão contra um blindado, que seria usada pela quadrilha no Rio Grande do Sul sete anos depois.

Veja a cena do filme que serviu de inspiração para Seco:


Quando os policiais chegaram a um acampamento às margens do Rio Taquari, no interior de Venâncio Aires, em janeiro de 2004, ainda saía fumaça das fogueiras. O bando que havia se abrigado ali tinha escapado há pouco tempo. No mesmo local, a polícia encontrou uma máquina que havia sido roubada e usada pelo bando para cortar o asfalto da RSC-287. Os bandidos pretendiam dinamitar o acesso a Candelária, mas tiveram o plano sabotado porque os explosivos foram encontrados antes por um morador. Antes de chegar a esse acampamento, a polícia tinha sido alertada: os criminosos tinham inclusive uma metralhadora capaz de derrubar até o Ximango – avião da Brigada Militar.

Quem levou os policiais até o local e auxiliou a investigação a começar a desarticular a quadrilha de Seco foi Júlio César Reis Costa, o Zoreia. Com ele os policiais encontraram em janeiro de 2004 um fuzil AK47 e um Ruger, norte-americano, além de coletes, munições e explosivos. Até um extintor cheio de nitroglicerina estava no Vectra.

Foi Zoreia quem revelou a polícia quem eram os integrantes do bando.

Parte deles seriam presos um mês depois, em Santo Antônio da Patrulha. Ele contou que tinha sido chamado por Seco, que já o conhecia por ter construído açudes em Herveiras, de onde ele era morador, por ser “bom de boleia”. “O Seco e os outros metiam o carro-forte e depois chamavam ele por rádio. Ele estava escondido no mato e vinha com o carro de resgate. Resgatava o grupo e saía dirigindo”, relatou o delegado Luciano Menezes.

Um dos episódios que ficou marcado na trajetória de Zoreia foi quando, após assaltarem a praça de pedágio de Marques de Souza, no Vale do Taquari, ele pagou o serviço de um protético, de Santa Cruz, com as moedas ainda com a embalagem original. Por telefone, o protético tentou extorquir a praça de pedágio para repassar informações sobre o assaltante. Acontece que acabou sendo flagrado pela Polícia Civil quando estava em um orelhão, na Praça da Bandeira. Foi assim que a polícia chegou à identificação de Zoreia. Anos depois, preso por outro crime, ele seria morto na prisão.

A informação de que José Carlos dos Santos poderia estar em um camping em Terra de Areia, no Litoral Norte, levou equipes do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) até lá. Em dezembro, a quadrilha tinha cometido um dos ataques mais violentos, ao executar a sangue-frio dois vigias já rendidos em um carro-forte, em Farroupilha, na Serra. As mortes seriam uma vingança contra o assassinato de dois integrantes do bando em junho de 2005, em Candelária. A tentativa de captura de Seco, que vinha desafiando a polícia, culminaria naquele dia numa ação desastrosa. Um menino de três anos foi alvejado na cabeça durante o tiroteio e morreu. Três homens foram presos, mas nenhum deles era o foragido número 1 do Estado.
O delegado Heliomar Franco – que comandava a delegacia responsável por investigar roubos a bancos e carros-fortes no Estado, desde abril do ano anterior – estava de férias, em Santa Catarina, quando recebeu o telefonema do diretor do Deic, o delegado Ranolfo Vieria Júnior. Era preciso interromper o descanso e regressar ao Rio Grande do Sul. Sem conseguir frear as ações do bando, a polícia estava disposta a criar uma equipe especial, que dedicaria meses de trabalho exclusivo a captura de Seco. “Da forma como nós estávamos trabalhando ele entendia que nós não íamos conseguir (prender Seco)”. Como meio de tentar chegar ao líder, agentes e delegados mudaram a estratégia de enfrentamento aos criminosos. Passariam somente a monitorar as pessoas ligadas ao assaltante. Sem prendê-las. O modo usado para investigar a quadrilha culminaria numa transformação nas operações policiais gaúchas.

Mais de 120 telefones foram interceptados.

“Nós tínhamos 90 dias pra saber qual era a sua rotina, qual era a ação de cada um deles, qual o papel de cada uma dessas pessoas, onde é que se escondiam, onde arrumavam os carros”. A companheira de Seco na época também era monitorada. “A intenção era vigiar, estabelecer uma rotina e fechar o cerco em torno disso para poder capturar ele”, recorda Heliomar. A polícia sabia que não bastava monitorar o grupo sem ter condições de enfrentá-lo num eventual tiroteio, o que não seria difícil de acontecer dadas as características dos criminosos. Enquanto a Polícia Civil portava pistolas .40 e espingardas calibre 12, os criminosos exibiam fuzis 762, 556 e 223. “Era uma diferença muito grande. Eles tinham um poder bélico muito grande. Usavam explosivos e fuzis. Armas que a própria polícia não tinha acesso”.
Durante a Operação Lince, foi preciso tentar se aproximar do poder de fogo dos criminosos. “Tivemos que pedir emprestado para a Brigada Militar. Isso ninguém deve ter dito pra ti ainda. Eu era responsável pela parte operacional. Nós fizemos um treinamento dentro da Brigada Militar e recebemos os fuzis emprestados. A Polícia Civil na época não tinha nenhum fuzil”. As condições melhores em termos de armamento de hoje são, na opinião do delegado, herança daqueles tempos difíceis. “Nós lutamos muito para que a polícia adquirisse fuzis”.

O fato do assaltante ter se fixado com uma companheira – Michele Oliveira de Moraes, desaparecida desde 2013 – foi, no entendimento da polícia, o principal erro de Seco na tentativa de escapar da prisão. “Talvez tenha sido o primeiro ponto em que nós conseguimos um avanço importante, ao estabelecer uma vigilância no entorno dela”, lembra o delegado Heliomar Franco. Dias antes do ataque à Proforte, a mulher foi vista entrando em um Bora branco, em uma estação de trem de Canoas. O carro passou próximo ao delegado, que chegou a anotar a placa do veículo. “Não imaginava que ele pudesse estar dentro dele. E ele estava”.

O mesmo veículo seria abandonado pelo grupo em Santa Cruz, após o roubo, porque foi inutilizado pelos disparos. Aquela não seria a primeira vez que Seco escapava por pouco de ser preso. Também em Santa Cruz, em junho de 2003, dois meses depois de terem cometido o primeiro ataque a blindado na região, ele estava escondido, no Bairro Belvedere, quando desconfiou de um carro que passava em frente ao local. Era uma viatura discreta da Brigada Militar. Quando a polícia chegou na casa, algum tempo depois, Seco já havia escapado pelos fundos.

Em 2006, já na Operação Lince, a polícia recebeu a informação de que ele estaria em Garibaldi. Quatro policiais seguiram para lá e visualizaram um Vectra, na frente da moradia que deveriam monitorar. Resolveram pedir reforço. Nesse meio tempo, um dos policiais cruzou a pé na frente da residência, para ver se havia alguém ali e quem era. Quando ele passou, um dos criminosos o reconheceu. Logo que ele dobrou na esquina, eles se jogaram para dentro do carro, com o armamento pesado, e escaparam. José Carlos dos Santos estava junto com eles.

Mas chegar tão perto do assaltante não tinha sido nada fácil. Conseguir uma interceptação telefônica dele era raro. Em Santa Cruz, por seis meses a polícia monitorou telefones e só três vezes conseguiu ouvi-lo, lembra o delegado Luciano Menezes.

“Era muito arisco com telefone. Ele tinha celular, mas quando não usava, desmontava e tirava até a bateria. Tinha medo de ser rastreado”.

Foi por isso que, segundo o delegado Heliomar, a polícia decidiu interceptar as pessoas no entorno dele. “Ele trocava muito de telefone. Nós tínhamos que mudar o método de fazer a aproximação”.

Foi assim que a polícia descobriu um  QG do bando em uma lavagem de veículos, em Canoas. Do prédio do Fórum, os policiais conseguiam monitorar a circulação de pessoas no local. Os agentes acompanhavam as escutas, quando veio a ordem para a reunião do bando. O carro que vinha sendo conduzido por Seco ingressou na garagem. Outros integrantes da quadrilha já estavam lá. Tinha chegado a hora. Pela única porta de acesso, os policiais entraram na lavagem. Pouco depois, todos os presos estavam ao solo.

Então um telefone começou a tocar. Era Seco. Ele tinha se atrasado para a reunião. Ao cruzar em frente ao local, o assaltante viu o movimento da polícia e fugiu outra vez. “Isso nos abalou bastante. Foi alguns dias antes desse assalto que ele acabou cometendo lá em Santa Cruz. Nós quase prendemos ele naquele dia. Nós imaginávamos que fosse ficar muito mais difícil a partir daquele momento fazer a prisão dele. E realmente até retomarmos tudo de novo acabou acontecendo lá em abril esse assalto”, recorda Heliomar.


Na manhã daquela quinta-feira, 1 de dezembro de 2005, pouco antes das 9 horas, o motorista de um caminhão Volkswagen atravessou o veículo na RSC-453, em Farroupilha. O trânsito na ponte sobre o Rio Burati foi interrompido. Em seguida, o cavalinho de um caminhão Volvo foi arremessado sobre um blindado. O carro-forte tombou ao lado da estrada. Em uma sequência de disparos de fuzis, os criminosos destruíram os vidros e enfiaram os canos das armas para dentro do veículo. Assim, mataram dois dos vigilantes acuados, que já haviam se rendido. Davam ali a mostra de que podiam ser muito violentos. E não tinham qualquer piedade das suas vítimas de roubo.

Antes da fuga, os assaltantes atearam fogo ao caminhão que trancava a ponte e fugiram com o dinheiro em um Vectra. Para a polícia, foi uma represália a uma tentativa de assalto frustrada ocorrida em 6 de junho daquele mesmo ano. Em uma ação semelhante, o bando tentou interceptar dois carros-fortes na RSC-287, em Candelária. O plano não deu certo. Guiados pelos vigilantes que estavam no blindado de trás, os seguranças do primeiro carro-forte mataram dois assaltantes com tiros de escopetas calibre 12. Sem saída, os comparsas precisaram fugir. Para isso, renderam motoristas que estavam com carros parados na rodovia. “Logo depois desse episódio eles juraram vingança contra os caras da Proforte”, recorda o delegado Luciano Menezes. E cumpriram a promessa.

O cenário vivido naquela época é comparado ao de uma guerra. De um lado os órgãos de segurança e transportadores de valores contra os criminosos cada vez mais especializados em ataques a blindados. Em um dos enfrentamentos, rasgaram uma viatura do Deic a tiros de fuzil. Por sorte, não mataram ninguém. Já em Santa Cruz, no ataque à transportadora acabariam vitimando pela primeira vez um policial. “Ele (Seco) não hesitava em apertar o gatilho contra os policiais ou quem quer que fosse. Então nesse dia lá em Santa Cruz novamente aconteceu isso aí. A força policial foi tentar intervir, como tem que fazer, mas o poder de fogo deles era muito maior”, afirma o delegado Heliomar. A partir do ataque a Proforte,em 10 de abril de 2006, era questão de honra capturar José Carlos dos Santos. “Aquele ali foi o ápice. O limitador era aquilo. A gente se reuniu e decidiu: de agora em diante é sem dormir”, conta um dos policiais.


A mão esquerda só começou a latejar depois que o policial percebeu que o sangue que escorria por ela era dele mesmo. Na sequência vivida minutos antes, naquela madrugada, o investigador Clairton Félix Segatto, então com 38 anos, tinha ficado na mira de um fuzil AK47, que disparava a poucos metros dali. Com uma pistola na mão, agachou-se atrás do Vectra e nesse movimento apoiou a mão no alto da porta do veículo. Foi então atingido e teve um pedaço do dedo dilacerado. Mas nem se deu conta. Enquanto ouvia os disparos ensurdecedores, que formavam uma fumaça no escuro, aguardava o momento de voltar a atirar na direção dos criminosos. Assim como ele, os três colegas esperavam a hora certa de voltar a descarregar as armas. O motorista do Audi, que atirava na direção das viaturas, era o alvo mais procurado pela polícia gaúcha.

Dessa vez, José Carlos dos Santos não escaparia.


Quando deixaram o cerco que era realizado em Viamão, atrás do bando de Seco, no início da madrugada daquela quinta-feira, a fome era grande entre os policiais. Segatto, o inspetor Carlos Eugênio da Motta e o escrivão Henrique Almeida da Costa seguiram para Porto Alegre, para comer um lanche na Avenida Ipiranga. Quando aguardavam o pedido, no entanto, a informação de que parte do bando seguia pela RS-118 fez com que eles não hesitassem. Podia ser a última chance de prendê-lo. Até então, nunca tinham conseguido contato visual com o quadrilheiro. “Devem estar indo para Lajeado”, pensaram. O destino era a BR-386.

Tentaram contato com os colegas. A maior parte tinha retornado para casa após quase dois dias de buscas ao quadrilheiro. A ideia era retomar a procura na madrugada do dia seguinte. O único policial com quem conseguiram contato foi o comissário Mauro Alves da Silva. Em Canoas, ele embarcou em um Vectra, dirigido por Segatto. Na outra viatura, um Astra, seguiam Almeida e Motta. Pesava sobre os policiais o fardo dos três meses dedicados a busca pelo assaltante sem sucesso. Os policiais sabiam que todo aparato que tinham recebido aguardava um retorno. “Caíam só os periféricos. Ele não caía”, lembra Segatto. No Astra, que rumava para a 386, os policiais carregavam um fuzil. A arma seria decisiva no confronto que os aguardava.

Quando chegaram ao posto, em Paverama, os dois policiais a bordo do Vectra decidiram perguntar a uns caminhoneiros que estavam logo na entrada. Enquanto Mauro conversava com os motoristas, Segatto olhou para dentro do posto. Então viu um Audi. “Mauro, tá lá, tá lá. Tá lá o carro”. Os outros dois policiais já se aproximavam do posto. O Vectra ficou na primeira entrada, na traseira do Audi, e o Astra entrou pelo segundo acesso e ficou de frente com o veículo, já preparado para sair. Um frentista lavava o carro, sujo de barro, sem se dar conta do que estava acontecendo.

Na direção do automóvel estava Seco e ao seu lado Carlos Henrique Fernandes, o Gordo. O motorista desembarcou do Astra e gritou: polícia! “Quando o Almeida levantou a carabina e mandou eles descerem do carro, a luz da ré já engatou”. Os primeiros tiros foram trocados dentro do posto. O Audi veio na direção do Vectra e passou reto por eles. “Eu consegui dar dois tiros tentando pegar pneu. Ele sentiu, eu acho, os tiros atrás dele. No passar ele levantou o fuzil. Eu só aquele cabo amarelo, de madeira. Ele me deu um tiro”. Ao disparar a rajada na direção dos policiais, Seco se perdeu na direção e acertou um caminhão estacionado. O Audi ficou trancado e ele seguia acelerando, mas não saía do lugar.

De trás das viaturas os policiais passaram a atirar na direção do carro. “Eu quase descarreguei minha pistola”. Seco revidou com o AK47. “A nossa sorte é que nós tínhamos um fuzil. O Motta conseguiu puxar o fuzil, se foi para trás do Astra e começou a fazer a cruzada com ele. O Seco tava visando o Motta. Foi uns trinta tiros de cada um. Era aquele estrondo. Uma cena terrível. Aquele cheiro de pólvora”. O quadrilheiro não sabia mas aquele era o único fuzil dos policiais e a munição acabaria logo. Optou então tentar escapar na direção da rodovia. Foi uma péssima ideia.

Segatto viu quando Gordo também saiu correndo na direção da estrada e o seguiu em disparada por dentro do posto. Descarregou a pistola na direção do assaltante que não caía nunca. “Mas não é possível”, pensava. Carregou de novo a arma e correu na direção dele outra vez. Gordo, imune aos tiros, já conseguia alcançar a parte mais escura próxima de um valão, depois de atravessar a rodovia. Então tombou. “Perdi, perdi”, gritou. O tiro tinha lhe acertado na perna. O quadrilheiro, que agora tinha o joelho esfacelado, vestia um colete a prova de balas. A alguns metros dali, outro assaltante estava caído ao chão.

Três agentes da Polícia Rodoviária Federal de Tabaí tinham seguido para lá quando souberam que Seco estava no posto de combustíveis. Um quarto permaneceu junto ao posto, repassando as informações aos colegas. “Não houve nem tempo para pedir reforço”, recorda. Seco se arrastava no gramado, quando foi algemado por um deles. Antes disso, o quadrilheiro tinha sido baleado na perna. A autoria do disparo, no entanto, encontra divergências. Entre os policiais rodoviários assegura-se que partiu deles, já os civis garantem que foram eles que alvejaram Seco na perna. O certo é que ele tombou ali mesmo. “Uma das nossas vitórias foi prender ele vivo. A ideia era essa: prender o cara”, lembra Segatto.

Só então os policiais se deram conta da cena de guerra que tinham vivido. Dentro do restaurante, junto ao posto, pessoas se escondiam nos banheiros. Na boleia do caminhão atingido pelo Audi, um motorista de Passo Fundo não tinha coragem para deixar o veículo. Só saiu dali quando um policial abriu a porta. Assim que os agentes chegaram na parte mais iluminada do posto com os dois assaltantes algemados é que Segatto percebeu que havia sangue em sua mão. Ao lavá-la, pode ver o estrago. “Não tinha carne em cima do dedo. Tava só o osso”. Ao recordar do episódio, que não quer viver nunca mais, vem a mente do investigador a frase que marcou aquele dia.

“Fé em Deus e dedo no gatilho”. Não havia outra alternativa.

Ao contrário de muitos assaltantes, que tem uma trajetória de infrações desde a adolescência, José Carlos dos Santos viveu no interior, como qualquer garoto do campo. Quem o conhecia lembra de um garoto tímido, que sonhava em seguir trabalhando no meio rural. Seco nasceu no interior de Candelária, onde permaneceu até a juventude. Aos 17 anos, após um desentendimento com o pai, mudou-se de lá com a mãe. Um ano depois, tentou montar uma empresa com retroescavadeiras em Santa Cruz do Sul. Ele tinha habilidade para abrir açudes e sempre gostou de máquinas. Mas o negócio não deu certo.

Poucos anos depois disso, o candelariense seria apontado como integrante de um bando que jogava caminhões contra carros-fortes. Neste período teria se encontrado com João Loucura, responsável por liderar o bando que realizou o primeiro ataque a carro-forte com uso de um caminhão, em Caxias do Sul. Ao longo dos anos, estabeleceu contatos e elevou seu nível de periculosidade. Em janeiro de 2004, aos 24 anos, Seco já era considerado o líder da quadrilha.

Entre os policiais, acredita-se que foi justamente o perfil do quadrilheiro que o fez acender tão rapidamente no mundo do crime. “O que diferencia ele pra nós é essa vivacidade que ele tem. Esse raciocínio muito rápido. Eu não sei qual o grau de inteligência dele. Mas ele tem uma vivacidade muito grande, apesar de não ter cultura. Ele toma decisões muito rapidamente”, observa o delegado Heliomar Franco. Por outro ponto, ele também acredita que Seco tem uma característica comum a muitos criminosos. “Ele tem uma espécie de desapego com a questão da culpa. Ele não se arrepende das coisas que faz. Ele não sente pena de ninguém”.

Aliado a isso, o pouco, ou nenhum medo, de se envolver em uma ação ousada fez com que ele ganhasse destaque e respeito entre os bandidos. “Ele não tem medo de perder a própria vida num enfrentamento. Isso deu pra perceber claramente com a conversa que eu tive com ele. Ele é muito frio. Muito calculista. E muito ágil no pensamento. Esse é o diferencial dele.” O policial esteve diversas vezes frente a frente com o assaltante que segue na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Em algumas delas, o interrogou em relação aos assaltos cometidos pelo bando e em, pelo menos, devido ao o sequestro da então namorada de Seco.

Na época, o delegado Heliomar atuava na delegacia do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) responsável também por investigar sequestros. Em poucos anos, Michele Oliveira de Moraes foi levada seis vezes de sua residência, em Canoas, por homens encapuzados e armados. A última foi em de outubro de 2013. Para a polícia, a principal suspeita é de que ela tenha sido morta. Em todas as ocasiões, em relatos feitos pela própria jovem, os sequestradores queriam saber onde estava o dinheiro levado da Proforte. Naquela noite, os bandidos levaram quase R$ 4 milhões. A quantia nunca foi localizada.


Quando se deparou com Seco e Gordo presos, em Paverama, o delegado Luciano Menezes tratou de fotografá-los. Por algum motivo, os bandidos não tinham se dado ao trabalho de trocar de roupa. Vestiam as mesmas usadas no assalto a Proforte três dias antes. Gordo usava inclusive um tênis com as molas amarelas, pouco discreto. Logo após o roubo, o policial tinha armazenado as imagens das câmeras de segurança nas quais os bandidos apareciam com as mesmas roupas. “Estava tudo igualzinho”.

Além disso, dentro do Audi estava uma arma, que também seria usada como prova. Era um Falcon 762. Cinco pentes extras de munição traçante destinadas ao fuzil também foram recolhidos no carro. Dias antes, em frente a sede da Proforte, o delegado precisou tirar das mãos de curiosos estojos de fuzis que estavam sendo levados como souveniers, assim como cédulas de dinheiro. “Aqueles estojos e o projetil que foi tirado do colete da policial (Gheísa Marques, baleada nas costas, durante o cofronto) a prova técnica comprovou que foram expelidos por aquele fuzil que nós apreendemos dentro do carro do Seco”. A prova seria decisiva para que os dois fossem condenados anos depois pelo latrocínio (roubo com morte).

Antes de chegar a Paverama, o delegado, assim como outros policiais da região tinham participado de um cerco ao bando de Seco, em Viamão, durante aquela quarta-feira, 12 de abril de 2006. Brigada Militar e Polícia Civil cercaram uma área no interior do município. Para tentar delimitar o local exato onde eles estavam, a polícia chegou a chamar um técnico em telefonia, recorda o delegado Heliomar Franco, um dos que organizou as buscas no local. No entanto, eram muitos sítios e a quadrilha acabou conseguindo escapar por uma das estradas. Após a prisão de Seco, a polícia encontraria na região coletes a prova de balas e os malotes vazios.

“Se eu fosse traficar doutor, pela lógica eu teria que traficar na minha cidade: Santa Cruz. Onde eu conheço todo mundo”

Por mais de cinco horas, Seco acompanhou os depoimentos dos policiais que o investigaram. Por vezes, folheou o processo e bufou com algumas declarações. Cada gesto era acompanhado pelos agentes do Grupo de Ações Especiais (Gaes) da Susepe. Fortemente armados, circulavam pela sala e monitoravam as saídas do prédio. Por fim, os acusados de integrarem um esquema de tráfico chefiado por Seco foram ouvidos. Um deles é Edson Marcos Silva da Rosa, o Tucano, colega de galeria do candelariense na Pasc. O apenado é apontado como o braço direito do assaltante no comércio de drogas. Assim como os outros, negou ligação com Seco.

José Carlos sentou-se à frente do juiz Ulysses Fonseca Louzada com uma série de apontamentos em uma folha de papel. Conhecido pela habilidade com as palavras, começou agradecendo ao magistrado pela oportunidade. Informou que havia lido o processo. “Quero começar do começo de tudo. O Edson, que eles dizem ser meu braço direito, eu discordo. O Edson, dois ou três anos atrás, foi parar no Complexo de Charqueadas. Ele não foi morar na galeria dos Bala na Cara. Depois ele foi morar na galeria C, que é onde eu moro”. Confira alguns trechos do depoimento:


“Não sou traficante”

Sem enrolar, foi enfático ao falar sobre a sua especialidade no crime. “Em primeiro lugar, eu não sou traficante. Eu tô preso há dez anos. Se eu fosse traficante, teria sido desde a rua. Este é meu artigo: 157, não é tráfico. Eu tô preso por assalto, nunca neguei. Assalto a banco, a carro-forte”. Ao se defender, citou a cidade para a qual se mudou aos 17 anos. “Se eu fosse traficar doutor, pela lógica eu teria que traficar na minha cidade: Santa Cruz. Onde eu conheço todo mundo”. Voltou a enfatizar que seu crime é roubo. “Por qual crime eu respondo lá? Assalto. Meu artigo é assalto, não é tráfico. Se eu fosse começar a traficar seria na minha terra. Teria quem fizesse a mão. Santa Cruz é até mais rica do que aqui. Tem universidade, tem tudo. Eu tô há dez anos preso e nunca por tráfico”.


“Sou um estudante da Pasc”

Quando a polícia fez buscas em sua cela, foram apreendidas anotações que, conforme a acusação, são registros de algumas das negociações com o tráfico. “Na próxima audiência, eu vou trazer esses bilhetes e vou mostrar porque estava na minha cela. Por que não trouxeram o caderno inteiro? Porque ia ficar óbvio que eu sou um estudante na Pasc. Eu tô fazendo o 2º grau. Ano passado eu completei o 1º grau e agora estou fazendo o 2° grau. Inclusive já era pra ter começado as aulas e não começou. O que eu tenho lá são os cadernos do ano passado. Se trouxessem os cadernos iam ver que tem lá é Química, Português, Matemática. Eles rasgaram meus cadernos. Eu vou trazer isso para o senhor para poder explicar”.


“A imprensa me rotulou”

Disse que não mora na mesma galeria que o Juraci Oliveira da Silva, o Jura, e que a divulgação de uma associação dos dois para o crime não é verdade. “Tudo o que a imprensa quer para poder vender jornal é colocar o nome do Seco. Pega o nome do Seco e coloca o do Jura junto. O Jura pra mim é um preso normal como os outros. Agora na cadeia não sei se ele trafica ou não. A única coisa que posso lhe garantir é que eu e ele não temos convivência”. Em vários momentos, disse ter sido condenado pela mídia. “A imprensa me rotulou de Seco. Por um apelido, eu fui condenado”.


“Não sou Bala na Cara”

Seco se disse preocupado com as afirmações de que ele é integrante da facção Bala na Cara. “Basta uma consulta e o senhor vai ver que eu morei em outras galerias. Depois de muito tempo que eu fui morar na C. Não é por morar lá que tem que ser de facção. Tem muita gente que é só morador, como eu. É muito simples. Acusa. Acusa. Toca na mídia, como ele fez. Seco, chefe dos Bala na Cara”. Seco enfatizou que não pertence a facção. “Quero deixar bem claro. Eu também não sou da facção Bala na Cara. Sou apenas um morador da galeria. Como já morei em outras galerias, hoje eu moro na dos Bala na Cara”. Ele disse ter ficado apavorado com a ligação de seu nome ao grupo criminoso. “Tudo que aconteceu na cidade, a partir de seis meses pra cá, eles dizem que é dos Bala na Cara. E quem eles estão colocando na frente é o Seco. Para mim isso é horrível”.


“Tenho que estar preso pelo que fiz”

Com 170 anos de condenações, segundo ele mesmo, Seco disse ao juiz que deve pagar pelos crimes que cometeu. “Eu tenho que estar preso pelo que eu fiz e não pelo que ‘eu acho que foi ele’. Eu quero voltar para o presídio onde eu tô e quero cumprir a minha pena”.

Para o delegado Sandro Meinerz, da Delegacia Especializada em Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas (Defrec) de Santa Maria, mesmo preso Seco não abandonou o mundo do crime. Uma investigação comandada por ele aponta o candelariense como líder de um esquema de tráfico de drogas no Beco da Tela, em Santa Maria. “O Seco estabeleceu dentro da Pasc, com auxílio do Tucano, uma empresa. Uma empresa que trabalhava com armas, drogas, roubos e violência no tráfico de drogas”, afirmou. A mesma constatação é feita por investigadores do Deic.

Segundo o delegado, para isso, Seco teria enviado a Santa Maria dois candelarienses de sua confiança. Eles seriam os responsáveis por administrar o tráfico no local. A droga seria buscada em Taquara e no Campo da Tuca, em Porto Alegre. Durante as investigações, três pessoas foram presas em flagrante com crack e cocaína, além de uma adolescente que foi apreendida. Para a polícia, eles estavam transportando drogas para Seco. “É o chefe de todos. É o mentor intelectual da quadrilha. É o líder dessa empresa”.

Entre os presos está uma mulher, que era companheira de Tucano e costumava visitá-lo na Pasc. Conforme a investigação, além de telefonemas, as ordens, com indicações sobre onde buscar a droga, eram repassadas por meio de bilhetes, chamados de pipas. “O Seco tinha uma coisa curiosa que eram as pipas. Ele escrevia muito”. Para a investigação, Seco e Tucano estão vinculados ao grupo Bala na Cara. Na Pasc residem na galeria dominada pela facção. Os dois negam.

Em resposta às acusações, Seco afirma que nunca foi traficante e sim assaltante. Para o delegado, a explicação para a mudança é lógica. “Ele migrou para o tráfico porque é uma atividade que ele pode continuar exercendo de dentro da cadeia. E é algo altamente lucrativo”. Além desta investigação, Seco foi apontado em outras operações da Polícia Civil, pela suspeita de envolvimento com roubos.


Todas as vezes em que sai da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) para as audiências Seco é acompanhado de um forte aparato policial. Atualmente são os agentes do Grupo de Ações Especiais (Gaes) da Susepe que monitoram as audiências das quais ele participa. Desde que foi preso Seco vem tentando proteger sua imagem. Por isso, nas poucas vezes em que é fotografado tenta esconder o rosto. O fato é curioso em virtude de sua imagem já ter sido amplamente conhecida no período em que ele esteve foragido. Segundo a defesa do candelariense, não se trata de uma estratégia e sim de uma opção pessoal para se resguardar. Além dos curiosos, a movimentação do quadrilheiro sempre cria um certo clima de tensão, devido ao risco de uma eventual tentativa de resgate.

Na última vez em que esteve em Candelária, em agosto de 2012, assim como em Santa Maria, Seco optou por falar ao juiz. Na época negou que tivesse cometido o assalto aos carros-fortes ocorrido em junho de 2005. Naquela ocasião, dois assaltantes foram mortos pelos seguranças. “Fui acusado pela imprensa, perseguido e crucificado, com apoio de alguns delegados”, reclamou ao juiz. “Eu posso ter cometido algum erro no meu passado. Estou sendo acusado por mais de 40 assaltos. Só que eu não fiz nem cinco assaltos”, afirmou. Seco disse que não conhecia os homens que foram mortos no ataque em Candelária e que na época estava em Canoas, onde se escondia da polícia. Afirmou ainda que sofria perseguição pessoal por parte do delegado Luciano Menezes, da Defrec de Santa Cruz. “Para ele tudo que acontecia no Rio Grande do Sul era culpa do José Carlos”. Questionado sobre o caso, o policial lembrou que Seco foi investigado por diversos outros delegados.

“Ele está desesperado porque sabe que vai continuar na cadeia”.

Assim como Seco, muitos integrantes do bando acabaram atrás das grades. Parte deles, segue também na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). É o caso de Carlos Henrique Fernandes, o Gordo, preso junto com o candelariense em abril de 2006. Outros comparsas de Seco também foram parar na cadeia, como Sergio Rudinei Bauermann, Antônio Marcos Soares Floriano, Paulo Jusemar Landim, Marco Antônio Martins Borchartt e João Adão Ramos. Mas outros que fizeram parte do grupo do candelariense tiveram suas vidas abreviadas em ações criminosas. Um deles foi Mário Aloísio Kappaun, o Rato, 33 anos. Em agosto de 2010, ele foi gravemente ferido em uma tentativa de roubar um caminhão carregado com cigarros. A ação frustrada ocorreu pela madrugada sobre a RSC-287, em Venâncio Aires. Rato foi atingido na cabeça por um tiro que saiu da arma de um dos seguranças que faziam escolta da carga. Chegou a ser internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital de Estrela, mas não resistiu.

Kappaun, natural de Vera Cruz, foi comparsa de Seco em diversas ações criminosas que a quadrilha liderada pelo candelariense promoveu na metade da década. Entre elas o ataque contra o bunker da empresa de transporte de valores Proforte, de Santa Cruz do Sul, que resultou na morte de um capitão da Brigada Militar em abril de 2006 e no roubo de R$ 4 milhões. O fato chocou o município pela violência utilizada. Rato foi condenado a quatro anos de prisão por formação de quadrilha, cumpriu parte da pena em regime fechado e quando morreu estava em liberdade condicional.


O caminhão de uma empresa fumageira seguia com uma carga de valor não divulgado com destino a Porto Alegre. A escolta que acompanhava o veículo, com dois seguranças, percebeu a aproximação de dois carros que levavam homens fortemente armados. Um Ford Focus claro com pelo menos três acusados emparelhou com o automóvel dos vigilantes no trecho da RSC-287 que passa pela localidade de Vila Estância Nova, outro carro também participou da abordagem.
Os criminosos, fortemente armados, projetaram o corpo para fora da janela e iniciaram um tiroteio. Um segurança foi baleado. Hora depois, Kappaun foi abandonado pelos comparsas em uma parada de ônibus às margens da BR-386, em Estrela. Uma pessoa viu e acionou o resgate, que encaminhou o homem ao hospital.

Em junho de 2014, o santa-cruzense Carlos Ivan Fischer, o Teco, também foi morto em confronto com a polícia. Ele participava de uma tentativa de roubo a carro-forte, em Candelária, quando foi surpreendido pela ação policial, que vinha monitorando o bando. Neste caso, entre os policiais há divergências sobre a ligação de Seco e Teco. Já que para alguns investigadores os dois chegaram a integrar o mesmo bando, enquanto outros defendem que não há evidências da atuação conjunta dos assaltantes, que, inclusive, teriam estilos diferentes de praticar os assaltos. Outro assaltante, que confessou integrar o bando de Seco e auxiliou a polícia a identificar os comparsas, também foi morto. Júlio César Reis Costa, o Zoreia, foi encontrado morto no Presídio Regional de Santa Cruz, após ser preso pela suspeita de envolvimento na morte de uma adolescente, em Gramado Xavier.


O quadrilheiro
  1. Section 27
  2. A SÉRIE
  3. O ASSALTO
  4. Section 3
  5. Section 4
  6. Section 7
  7. Section 5
  8. HOMENAGEM
  9. ÁUDIO
  10. O ATAQUE
  11. JOÃO LOUCURA
  12. INVESTIGAÇÃO
  13. INSPIRAÇÃO
  14. ZOREIA
  15. A CAÇADA
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  18. SANGUE-FRIO
  19. PRESO!
  20. PERFIL
  21. CONDENADO
  22. MEU ARTIGO É ASSALTO
  23. MENTOR
  24. AS APARIÇÕES
  25. COMPARSAS
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  27. A SÉRIE NA GAZETA DA SUL